Do Porto Velho Hotel à Unir Centro

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O tempo todo o tempo passa (Arnaldo Antunes)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Receita de ano novo de Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Poema de Natal - Fernando Pessoa


Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.


Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.



E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!


domingo, 19 de dezembro de 2010

Por que escrever?

Ideogramas de E.M.M.C.

   Escrevemos porque existem lápis.

Esta reposta é perfeitamente suficiente. Para mim próprio não preciso de mais. Nem sequer me preocupo em saber (tentar saber) porque se fabricam lápis, porque se inventaram os lápis.
Se quiser ser mais essencial, direi: Escrevemos porque temos dedos. E se quiser ser mais profundo, direi: escrevemos porque temos músculos, ossos e nervos. E se quiser ser transcendente direi: escrevemos porque escrevemos. Se quiser explicar alguma coisa, direi: escrevemos porque desejamos estender a fala, em duração e capacidade de comunicar. Se quiser realmente saber porque escrevemos, então é melhor começar a escrever. Então perceberei que escrever é um ofício. Ofício que se pode aprender, mas que ninguém ensina.
Um ofício em que ao oficiante nada se deve pedir; nem um ato de fé inicial, nem um juramento. Só se lhe pede que escreva. E só depois de ele escrever é que se vê se escreveu, e como e para quê. Logo pelo texto que escreveu, se vê se oficiante acredita ou não na escrita que escreveu. Mas isso não interessa pelo oficiante em si, pela sua personalidade excelsa ou não, etc. Isso interessa só pelo texto que ele escreveu. Que esse texto é nosso. Não para nós gostarmos ou não de o ler, mas nosso para nos ensinar a ler: a lê-lo.
Se o texto é daqueles que nós já sabemos ler, então o oficiante não acredita no poder criativo do material que usa. Mas se o texto é daqueles que não sabemos ainda ler, ou que nos faz soletrar, ou que nos corta o ritmo do pensamento, então o oficiante escreve e sabe porque escreve e acredita no poder demiúrgico da palavra. A escrita, com todos os seus poderes está e estará entre nós. Por isso exigir-lhe-emos uma responsabilidade. Por isso ele há-de fazer-nos acreditar que tem uma função, a de recriar os seus materiais, e de com eles realizar mais, muito mais do que as palavras escritas nos dizem como sinais que são, negros sobre uma folha branca.
Há pois que fazê-las dizer esse “mais”. Sabemos hoje depois de um século de Modernidade: 50 anos depois da destruição DADA; 40 anos depois do mergulho do surrealismo; depois de 10 ou 20 anos de experimentalismo em todas as línguas e regiões do mundo; sabemos hoje que as operações físicas alteram o conteúdo semântico, ou a temperatura informacional dessa fala ou dessa escrita e portanto são criadoras (re) de língua viva. Assim de operações morfológicas, de operações fonéticas e de operações sintáticas, emerge uma nova semântica e uma língua reativada surge.
Uma semântica não pré-existente, nem oferecida por ninguém mas criada por quem sabe como e para quê servem os lápis. E toda esta operação tem uma razão de homens para os homens.
(...)
Experiências multimídias de E.M.M.C.

CASTRO, Ernesto Manoel de Melo e. O próprio poético: ensaio de revisão da poesia portuguesa atual. São Paulo, Quíron, 1973. p.: 15-16.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Se inteire das coisas sem haver engano" (Luiz Melodia)

Nascimento de Macunaima, 1980, Carybé (1911-1997)
O Colegiado do Curso de Mestrado em Estudos Literários da UNIR informa a toda comunidade que em junho de 2011 abrirá seleção para a primeira turma de mestrandos. O Curso, aprovado recentemente pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), é constituído por uma Área de Concentração e duas Linhas de Pesquisa, conforme disposto abaixo:
Área de Concentração - Estudos Literários
Na Área dos Estudos Literários, desenvolvem-se pesquisas cujos objetos constituem problemas relevantes para a Literatura e que podem envolver outros campos do saber e da arte. No primeiro caso, trata-se de respeitar as especificidades do problema no âmbito da Literatura; no segundo, considerar a problemática nas intersecções da Literatura com outros saberes e outras artes. Essas pesquisas podem ser de natureza investigativa, relacional e interpretativa.
Linhas de Pesquisa
Literatura, Teoria e Crítica (LTC): Estudos aprofundados no campo específico da Literatura, seus fundamentos metodológicos, teóricos e críticos, dando suporte a abordagens de cunho textualista, fenomenológico e sociológico. Os trabalhos se desenvolvem por meio de métodos afins a cada corrente teórico-crítica, tais como o comparativo, o semiótico, o crítico-histórico, o hermenêutico, entre outros, com o objetivo de exercitar a análise, a interpretação e a crítica do texto literário. A visada auto-reflexiva na Literatura privilegia os estudos intertextuais entre corpus literário de nacionalidades diferentes, em línguas vernáculas e línguas estrangeiras. O objeto de estudo será constituído por obras com fortuna crítica consolidada e obras em processo de reconhecimento.

Literatura, outros Saberes e outras Artes (LSA): Estudo do processo das relações entre Literatura, outros saberes (sociológicos, filosóficos, históricos, antropológicos e mitológicos) e outras artes (música, teatro e artes visuais), objetivando problematizar e discutir a dinâmica interdisciplinar entre estes universos. Para tanto, a convergência de objetos, temáticas e formas, bem como a transversalidade dos diferentes textos, são valorizadas. Abre-se, com isso, a perspectiva de análise de identidade e diferença pelo viés da linguagem literária, evidenciando aspectos relacionados a outros saberes e a outras artes. De acordo com a perspectiva interdisciplinar pretendida, a Literatura tece o discurso que perpassa os vários olhares investigativos, com seus métodos e tradições específicos.


O corpo docente é constituído pelos seguintes professores:

Dr. ALEXANDRE PACHECO

Dra. ANA MARIA FELIPINI NEVES

Dra. APARECIDA LUZIA ALZIRA ZUIN

Dra. CYNTHIA DE CÁSSIA SANTOS BARRA

Dr. EDINALDO BEZERRA DE FREITAS

Dr. FRANCISCO FERREIRA MOREIRA

Dra. HELOÍSA HELENA SIQUEIRA CORREIA

Dr. JOSÉ OSVALDO DE PAIVA

Dr. JÚLIO CÉSAR BARRETO ROCHA

Dr. MAURO MÁRCIO DE PAULA ROSA

Dr. MIGUEL NENEVÉ

Dra. MILENA CLÁUDIA MAGALHÃES SANTOS GUIDO

Dr. OSVALDO COPERTINO DUARTE

Dra. ROSA MARIA APARECIDA NECHI VERCEZE

Dra. WANY BERNARDETE DE ARAÚJO SAMPAIO

Professores de outras Instituições participarão eventualmente enquanto docentes colaboradores. Novas informações serão publicadas em breve.

Acompanhe pelo site da UNIR: http://www.unir.br  

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O poema seguinte

O poema mais bonito do mundo - de Alice Ruiz e Itamar Assumpção

Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo
Mude como modelo
Vá ao cinema
dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre
Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa, coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal
Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal do sal do sal
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas três dez cem mil lágrimas sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Poema de abertura do blog

Manoel de Barros

Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho
de "O Guardador de Águas", Ed. Civilização Brasileira.


1
Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos têm lírios.

3
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo agüenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.

7
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.

9
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

11
Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

12
Seu França não presta pra nada -
Só pra tocar violão.
De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.
Não presta pra nada.
Mesmo que dizer:
- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.
Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.
De ser o nada desenvolvido.
E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.

13
Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos